Uma nova Ética ou uma Bioética para o século XXI?

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INTRODUÇÃO

Quando o europeu chegou à América, buscando novas terras e comércio, não valorizou a cultura local dos povos que foram chamados indígenas. Ao contrário, buscou destruí-la, pois achava que quem conquistava tinha o direito de impor sua cultura, sua língua, sua religião, como sempre fizeram os conquistadores ao longo da História. Nem perceberam que esses povos “selvagens” tinham muito o que ensinar. É claro que acabaram adquirindo muitos costumes locais, mas talvez o principal aprendizado, o respeito que os indígenas tinham pela natureza, sabendo conviver com ela e preservá-la, nem sequer foi considerado. O importante era aproveitar as riquezas encontradas, transportando-as para a Europa, visando o enriquecimento dos países e das pessoas envolvidas nesse comércio.

O homem acreditava que a natureza proveria sempre as suas necessidades, não havendo a menor preocupação com a sua preservação ou com a extinção de várias espécies animais e vegetais. Nessa situação, quem defenderia a natureza? O homem acostumado a ser o centro do planeta buscou desde sempre dominar a natureza para servi-lo, não percebendo que a natureza não é um objeto, uma “coisa”, mas algo vivo e que pode ser ou não parceira da sobrevivência do homem, dependendo da forma como essa relação homem/ meio ambiente é vivenciada.

Passaram-se vários séculos e somente no século XX cientistas começaram a divulgar suas descobertas relacionadas à questões de sobrevivência do planeta e, consequentemente, do homem que habita a Terra. Ninguém se preocupou muito na ocasião, talvez por não acreditar na finitude dos recursos naturais e agora, muitos anos depois, estamos vivenciando as consequências dessa descrença. Mudanças climáticas, doenças decorrentes dessas mudanças, dificuldades em várias áreas da vida humana e, mais ainda, o perigo de o homem ficar sem água, sem alimentos, enfim, de não sobreviver.

O HOMEM E A ÉTICA

Os problemas relacionados ao meio ambiente cresceram a partir da Revolução Industrial e desde então só se multiplicam. O homem saiu dos campos e veio viver nas cidades. As cidades cresceram para abrigá-lo e a natureza foi sendo devastada: florestas desapareceram, rios foram poluídos, lagoas drenadas, tudo para dar condições melhores de vida a esse homem predador, que se considera o senhor da natureza. Ao assim se considerar, o homem estabelece uma ética que gira em torno de si mesmo, portanto antropocêntrica na sua natureza.

Pode-se definir a Ética como normas de comportamento que regulam a vida em sociedade, ou seja, estabelece formas de comportamento aceitas pelas pessoas que convivem em um mesmo grupo social. Algumas dessas normas são aceitas em qualquer grupo: não se pode matar o outro, não se pode roubar o outro, etc. Apesar dessa aceitação, existem circunstâncias em que essas normas podem ser infringidas e isto é aceito como normal: numa guerra ou em defesa própria o homem “pode” matar o outro. Da mesma maneira, os recursos fornecidos pela natureza são usados de forma descontrolada, desde que gere riqueza; não existe uma ética que defenda os interesses do ambiente natural.

As pesquisas científicas trouxeram novas tecnologias sem nenhuma preocupação com a possibilidade de causar danos ao meio ambiente. Foram feitos inúmeros testes nucleares, usados artefatos em guerras que prejudicaram a natureza, além de causar inúmeras mortes, rios foram desviados de seus cursos naturais, represas foram construídas e um sem fim de atividades semelhantes foram sendo praticadas sem considerar as conseqüências para o meio ambiente. Os cientistas visando novos conhecimentos e, especialmente os empresários visando cada vez mais lucros, continuam agindo sem pensar na sustentabilidade ambiental.

A Ética, ao longo do caminho, vem sofrendo mudanças, acompanhando as transformações na sociedade; os valores se modificam e até o próprio ser humano deixou de ter um valor intrínseco; ele não vale mais pelo que é e sim pelo que possui. Portanto, o que é valorizado é o dinheiro e o consumo passa a ser altamente estimulado para que as pessoas exibam as suas posses. A aparência agrega mais valor, não importando os meios usados para consegui-la. Caráter, responsabilidade para com o outro, integridade passam a ser valores sem muita importância para a grande maioria das pessoas.
Nesse contexto, seria importante refletir sobre uma nova ética, uma ética preocupada não apenas com o comportamento humano, mas uma ética também preocupada com a vida em geral: a Bioética.

A NATUREZA E A BIOÉTICA

Segundo PESSINI (2002), a Bioética é a ética das e nas ciências da vida e do meio ambiente. O mesmo autor comenta que a Bioética é um forte apelo pela dignidade humana e por mais qualidade de vida.

A bioética se preocupa com os avanços da ciência em geral, com maior enfoque em todas as situações que envolvem a vida, não somente do ser humano, mas de todos os seres vivos que habitam o planeta e, conseqüentemente, o meio ambiente. Portanto, a sobrevivência humana é alvo das preocupações dessa ciência, que chama a atenção para a questão de um compromisso mais global perante o equilíbrio e preservação da relação entre os seres humanos e o ecossistema e com a vida no planeta.

Os povos antigos viam a natureza como algo sagrado e que devia ser temido. Com a evolução do conhecimento, o homem consegue compreender e até prever fenômenos produzidos pela natureza, intervindo de forma muitas vezes desordenada e predatória, o que causou a situação em que se encontra o meio ambiente: modificado e devastado em grandes áreas.

Para esclarecer melhor os termos natureza e meio ambiente, usados como sinônimos nesse artigo, a autora buscou em DULLEY (2004) uma explicação:

“ambiente no sentido estrito (antropocêntrico) equivocadamente confundido com o meio ambiente humano, limitar-se-ia aos elementos conhecidos da natureza que são indispensáveis para o sistema social produtivo humano e para a sobrevivência da espécie humana, tanto local quanto planetariamente.

É portanto a capacidade do homem de pensar a natureza, pensada em seu sentido amplo (envolvendo todas as espécies conhecidas), que lhe permite pensar todos os meios ambientes compondo o ambiente. A natureza e o ambiente seriam, portanto, duas faces de uma mesma moeda, sendo que o segundo teria uma conotação mais prática ou de utilidade, não só para o homem, mas também para qualquer espécie”.

O homem, ao criar os espaços urbanos, descobriu novas formas de desenvolvimento, transformando a natureza, sem nenhuma preocupação na sustentabilidade desse desenvolvimento, ou seja, não se preocupou com as gerações futuras, só pensando no momento presente e, principalmente nas questões econômicas. Para ele, a ética só estabelecia normas relativas ao comportamento humano, aos seus valores morais que não consideravam o meio ambiente como parte essencial não só à vida humana, como também a todas as formas de vida do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças que estão ocorrendo resultantes da destruição da natureza levaram o homem a repensar a sua maneira de viver e a sua qualidade de vida, mas é indispensável que a cultura dos povos desse planeta sofra grandes transformações e busque novas formas de entender e vivenciar o que é essa qualidade. Torna-se essencial não uma nova ética, mas a disseminação dos princípios da bioética, que considera a justiça, a beneficência, a não maleficência e a autonomia como fundamentais para uma vida mais plena de humanidade, ou seja, o homem precisa entender que o seu próximo é também um ser humano e que depende, como ele, do meio ambiente para sobreviver.

Somente a conscientização de todos relacionada ao tamanho do desafio que o planeta está enfrentando poderá contribuir mais profundamente para que se aja com rapidez para salvar o planeta e seus habitantes. GAARDER (2005), diz que falta vontade política e ele está certo. Os dirigentes dos países mais importantes do mundo ainda não adquiriram a consciência de que estão destruindo a vida; continuam somente interessados nas questões que envolvem a economia, esquecendo que sem os habitantes do planeta, a economia deixa completamente de ter importância.

Enquanto os políticos não agem, faz-se mister que cada individuo habitante desse planeta assuma o seu papel de contribuinte para a sustentabilidade do meio ambiente, educando-se, educando os seus filhos e cobrando dos governos atitudes que considerem o ser humano como o mais importante motivo da existência desse planeta.

As imensas desigualdades entre as classes sociais, a violência, o alto consumismo, a desconsideração pelo outro, que anula a dignidade humana só contribuem para piorar essa situação de catástrofe do planeta.
Será que o homem vai continuar alheio à sua própria destruição? Esperemos que os cientistas, os filósofos e os políticos se unam aos ecologistas e recriem novas condições de vida e relação do homem com a natureza.


Autora: Maria Antonia de Andrade Dias

BIBLIOGRAFIA

DURAND, G. Introdução geral à bioética. S Paulo: Loyola, 2003
DULLEY, R. D. Noção de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos ambientais e recursos naturais. Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004
GAARDER, J. Uma ética ambiental para o futuro. Revista Eco 21, ano XV, Nº 98, janeiro/2005.
PESSINI; BARCHIFONTAINE. OS princípios atuais da Bioética. S. Paulo: Loyola, 2004.
http://www.revelacaoonline.uniube.br/anteriores03/outubro2/index.html
Material do curso Educação Ambiental e Ética do CENED

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