Transgênicos

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Transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGM’s) são seres vivos que tiveram seu material genético alterado por outra forma que não a multiplicação e recombinação natural.

Na natureza é muito mais comum a transferência de material genético ocorrer verticalmente (hereditariedade, constatada primeiramente por Mendel, no século XIX). A transferência horizontal é muito rara, ocorrendo com alguns microorganismos.

No processo de sedentarização do ser humano, com a criação da agricultura, ocorreu à domesticação de plantas selvagens, com a seleção das sementes mais produtivas, mais saborosas e mais adequadas, sendo dados, assim, os primeiros passos para o melhoramento genético, que se estendeu até a atualidade. Ninguém acredita, ou pelo menos deveria acreditar que os alimentos que comíamos, antes da descoberta da transgênese, eram todos encontrados em estado de graça natural. Batata, milho, feijão e outros cereais foram sofrendo processos de melhoramento ou aperfeiçoamento genético que permitiram torná-los não só mais agradáveis ao paladar, como também mais nutritivos e, em alguns casos, transformá-los de venenosos e nocivos à saúde em alimentos ricos e saudáveis, como é o caso da batata e do próprio feijão (VOGT).

Os biólogos moleculares afirmam que a engenharia genética aplicada à agricultura nada é senão uma nova forma de introduzir variabilidade no processo de melhoramento genético. Mas não é correto sinonimizar as expressões modificação genética e engenharia genética[1], como ocorre na mídia (NATERCIA).

O processo de manipulação de genes iniciou-se com a descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, em 1953. Uma década depois foi desvendado o processo pelo qual um gene ordena a produção de determinadas proteínas. O nascimento da engenharia genética aconteceu quando a barreira de transferência de genes de uma espécie para outra bem diferente foi transposta, em 1973, quando os geneticistas norte-americanos Cohen e Boyer inseriram o gene de um sapo em uma bactéria (Agrobacterium tumefaciens), a qual é naturalmente capaz de fazer a transferência horizontal de genes, injetando nas plantas um plasmídeo, que é uma molécula de DNA, fazendo com que as mesmas desenvolvam tumores.

O uso de uma bactéria como vetor ou meio de transporte de um novo gene para dentro de células de outra espécie é um dos métodos usados na transgenia (ou transgênese). É usado para a produção de medicamentos e de enzimas para fins industriais, como: produção de insulina, de hormônio do crescimento, de quimosina (enzima usada para a fabricação de queijos), de enzimas que degradam os restos de polpa na fabricação dos sucos de fruta, de outras que fazem com que os pães industriais fiquem mais macios, mais brilhantes ou não endureçam de um dia para outro, de enzimas lipolíticas, usadas em sabão em pó para degradar a gordura. Contra este tipo de produto, não existe grande resistência, uma vez que os microorganismos utilizados ficam restritos ao meio de produção e não entram em contato com o organismo do consumidor e supõe-se que exista uma avaliação cautelosa dos produtos resultantes, segundo protocolos rígidos de segurança. Ainda, evita-se a alergia que podia ser provocada através do antigo método de produção de insulina, o qual envolvia o uso de pâncreas de bois e porcos sacrificados; poupam-se os estômagos dos bezerros, dos quais se costumava extrair a quimosina, após sacrificar os animaizinhos, obviamente, e as hipófises dos cadáveres não mais precisam ser usadas para a extração do hormônio do crescimento.

Outro método usado é o bombardeamento, em altíssima velocidade, das células do vegetal a ser modificado com partículas de DNA, que penetram no núcleo das células, incorporando-se ao seu genoma. Ao ser consumida, a planta transgênica leva para dentro do organismo do consumidor o material geneticamente modificado. No processo de criação de um “transgene”, vem junto um gene de resistência a antibióticos, para permitir sua futura identificação na planta transgênica. Como 95% do DNA ingerido é degradado no processo digestivo, resta à possibilidade (pequena, mas preocupante) do escape de um gene resistente a antibióticos. Um outro aspecto indesejável quanto à assimilação de DNA modificado diz respeito ao fato de que todos os alérgenos conhecidos até hoje são proteínas, havendo o risco de tal elemento se tornar alergênico, o que ainda não foi efetivamente comprovado até o presente. A simples ingestão de DNA adicional não é necessariamente perigosa: DNA / RNA vêm sendo ingeridos normalmente através de dietas, desde quando esta se limitava aos frutos coletados ou aos animais abatidos pelo homem das cavernas. Os produtos de expressão (associados ao novo DNA introduzido), porém, que são proteínas (enzimas), podem, potencialmente, ter ação antinutricional, podem produzir alergias ou causar algumas mudanças no valor nutricional do alimento (LAJOLO).

O único caso comprovado até o momento de possíveis danos à saúde causados pela engenharia genética ocorreu nos Estados Unidos, entre 1989 e 1992, envolvendo um aminoácido chamado triptofano, sintetizado por uma bactéria, por uma empresa japonesa. Das 1500 pessoas afetadas, 38 morreram. Ficou constatada uma contaminação por sessenta agentes contaminadores, sem identificação da fonte de contaminação (bactéria ou processo de filtragem do produto).

Qualquer dos métodos mencionados apresenta alguns problemas: a incerteza de que o “transgene” se incorporou realmente ao genoma da planta, bem com a dúvida quanto aos resultados de sua interação com os demais genes já existentes no vegetal. Isto ajuda a alimentar a polêmica que envolve a criação e a comercialização dos transgênicos pelo mundo: de um lado, os que encaram o assunto como uma promessa e, de outro, os que o encaram como uma ameaça.  Como afirma Lajolo: a polêmica relativa à segurança dos alimentos transgênicos se origina a partir da aparente incontrolabilidade de certos resultados.

As empresas e defensores da semente transgênica argumentam que até hoje não se conseguiu apontar casos de doenças que tivessem sido provocadas pelo produto modificado. Os adversários apontam o prazo ainda curto de consumo desses produtos, recomendando que se façam maiores pesquisas, mas já fazem referências a um estudo mantido em segredo pela própria empresa Monsanto, cujo milho transgênico teria desenvolvido tumores em ratos de laboratório (MINEIRO). Passados mais de dez anos do uso das sementes modificadas da Monsanto e de seu agrotóxico, as discussões científicas permanecem no mesmo ponto em que estavam no início: nem a empresa consegue assegurar que o produto modificado seja seguro para a saúde humana, nem os adversários conseguem apresentar dados contrários tão conclusivos e definitivos que impeçam a contínua difusão das lavouras à base das sementes geneticamente modificadas.

Em defesa produção de alimentos transgênicos existe a idéia de que eles seriam a solução para aumentar a produção de alimentos e diminuir a fome e a desnutrição mundial. Existem previsões de três gerações de transgênicos. A primeira, que está no mercado desde a década de 90 passada, cujos principais produtos são soja, milho, algodão e canola, seria tolerante a herbicidas e resistente a insetos. A segunda promete alimentos mais nutritivos, com menos substâncias nocivas (como os alérgenos), maior resistência a estresses ambientais, como clima seco ou solo salino em demasia. Um exemplo seria o arroz dourado, com produção de betacaroteno em seus grãos, para diminuir os problemas de carência de vitamina A em países pobres, cuja base alimentar é este cereal. Sua primeira variedade frustrou os pesquisadores. Uma segunda variedade está em estudo. A terceira geração seriam as biofábricas, produtoras de remédios, como hormônio do crescimento, interferon ou fator de crescimento. A planta seria processada, o remédio seria extraído e purificado a um custo bem menor. No Brasil, a Embrapa tem pesquisado uma soja transgênica capaz de gerar o hormônio do crescimento, que hoje já é obtido por microorganismos geneticamente modificados, mas ainda a um custo muito alto. A Embrapa tem um núcleo especializado em genética, o Cenargen, onde se concentram as pesquisas. Conhecida pela qualidade de suas pesquisas, a Embrapa aguardava a liberação das pesquisas transgênicas. Talvez de seus laboratórios possam vir às respostas relativas à segurança ambiental e sanitária dos produtos, que ambientalistas e consumidores tanto exigem.

No outro pólo, um trabalho do pesquisador norte-americano Bem Brook demonstra que, na Argentina, as promessas da alta produtividade transgênica e do menor consumo de pesticidas não se realizaram, o que leva a cultura a buscar produtividade com a incorporação de novas terras para a lavoura, com efeitos ambientais e sociais graves. No aspecto ambiental, surgiram ervas daninhas resistentes ao agrotóxico associado à semente modificada, e a ampliação dos campos de cultivo se faz agora, em grande parte, com o desmatamento em áreas florestais e não por uma maior produtividade das plantações existentes. O Greenpeace aponta para os riscos que os organismos transgênicos trazem para a biodiversidade, os quais Eliana Fontes, pesquisadora da Embrapa, classifica em quatro itens principais: contaminação de plantações não transgênicas através de pólen de transgênicas (fluxo de genes); organismos que não são alvos das plantas transgênicas podem sofrer ação de substâncias como toxinas, sendo eliminados (impacto sobre a biodiversidade); incidência de um rearranjo na seqüência de genes, fazendo com que uma planta transgênica venha a apresentar características distintas de sua família original (impactos da transformação gênica); aparecimento de superervas daninhas ou superpragas (surgimento de resistência). Ainda existe a ameaça à segurança alimentar: antigamente, pensar em patentear plantas, animais ou genes não poderia sequer ser considerado. Hoje, com a patente sobre a vida, o produtor tem que pagar royalties pelas plantas patenteadas e as sementes que produzem, por todas as gerações futuras. Isso é uma ameaça à segurança alimentar e à biodiversidade.

Em entrevista à revista Senac e Educação Ambiental, o jornalista Washington Novaes declarou:

O Brasil precisa definir se quer ser um grande produtor de transgênicos e competir com Estados Unidos, Argentina e Canadá num mercado que já tem excedentes ou se pretende fornecer prioritariamente para os mercados europeu e japonês, que não querem transgênicos (…) Uma possível solução seria dividir nosso território: por exemplo, apenas do Estado do Rio para o sul pode plantar, dali para o norte não pode. Assim, criaríamos dois mercados. De qualquer maneira, seriam necessários estudos de impacto e essa história de dizer que não há comprovação de problemas causados por transgênicos é uma balela. Muitas pesquisas mostram até perda de produtividade ao longo dos anos nos Estados Unidos e na Argentina.

O Idec, Instituto de Defesa do Consumidor, afirma que, antes de ser contra os transgênicos, seu posicionamento é o de querer uma sólida regulamentação, que inclua análise de risco à saúde humana, estudos de impacto ambiental e rotulagem (S. PAZ apud CARDOSO, p. 81).

Estaríamos ou não participando de uma mudança de paradigma no processo de produção agrícola? Este conflito envolve grandes interesses políticos e econômicos. Existe, além de riscos para o meio ambiente e para a saúde do consumidor, a indicação de que as vantagens apregoadas pelos que defendem os transgênicos podem ser obtidas por alternativas mais sustentáveis, como a ecoagricultura, escapando-se das monoculturas, dos defensivos químicos, mantendo-se sistemas ecologicamente equilibrados, com a ausência de riscos tão preocupantes. Este tipo de solução exige um manejo da plantação muito mais cuidadoso por parte do agricultor, sendo, então ideal o cultivo de pequenas propriedades, administradas por agricultores familiares. Isto se contrapõe à existência de grandes propriedades monocultoras, prática comum em nossa realidade.

Sendo um debate não apenas científico, uma vez que a ciência por si só ainda não possui respostas conclusivas em relação à existência ou à ausência de riscos para o meio ambiente e para a saúde dos consumidores, é uma questão política, uma vez que as sociedades deverão escolher o modelo de desenvolvimento a ser seguido. E que valores priorizarão as sociedades para tomar esta decisão? Valorizarão a proteção aos solos, às águas e a todas as formas de vida, inclusive a humana? Todos os atores envolvidos neste embate polarizado em relação aos transgênicos mantêm-se atentos e vigilantes para o rumo a ser tomado nos próximos tempos. Mas caberá ao consumidor a decisão sobre o sucesso ou fracasso de tais produtos. Por ele será dada a palavra final. Que tipo de desenvolvimento escolherá a grande maioria dos consumidores mundiais? Isto dependerá de um posicionamento ético e político em relação ao modelo de mundo desejado.

Autora: Ângela Andersson Ribeiro

Referências:

CARDOSO, Fátima. Transgênicos são do bem, transgênicos são do mal: Entenda de uma vez esta questão. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Mostarda Editora, 2005.

ENTREVISTA – Washington Novaes. In Senac e Educação Ambiental. Ano 15, n. 1. Set. / Dez. 2006

LAJOLO, Franco. A propósito da segurança para a saúde dos alimentos geneticamente modificados. In Com Ciência – Transgênicos. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans14.htm>. Acesso em 8 jan. 2007.

MINEIRO, Procópio. Lei de Biossegurança: avanço ou retrocesso? In Senac e Educação Ambiental. Ano 15, n. 1. Set. / Dez. 2006.

NATERCIA, Flávia.Os riscos ecológicos das plantas transgênicas: o que se diz e o que se entende. In Com Ciência – Transgênicos. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans18.htm> Acesso em 8 jan. 2007.

PERGUNTAS e respostas sobre os transgênicos. In Greenpeace. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/?conteudo_id=860&sub_campanha=0&img=15> . Acesso em 9 jan. 2007.

VOGT, Carlos. O alarde dos transgênicos. In Com Ciência – Transgênicos. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans01.htm>  Acesso em 8 jan. 2007.

[1] Grifo feito por mim.

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